segunda-feira, março 09, 2009

"O mundo não se importa comigo"


Começa o filme. Ao som de "(Bang Your Head) Metal Health", de Quiet Riot, somos apresentados a um passado de glória de um lutador, através de pôsteres, revistas, cartazes e notícias de jornal. Corte. Alguém está tossindo. Não vemos nada. De repente, câmera ao nível do chão e um pouco distante, vemos o lutador sentado, com os braços apoiados na perna e olhando para baixo (para o nada, talvez). É ele quem tosse. Ainda não vemos seu rosto. Ele se levanta e caminha para o ginásio. Dessa vez, as cadeiras estão vazias, o chão está sujo e dois fãs vêm pedir seu autógrafo. Não, não haverá luta. Dessa vez, não. O ringue está sendo desmontado e percebemos que o lutador carrega uma mala. Para onde ele vai?

Essa pergunta é o leitmotiv do filme de Darren Aronofsky. Randy "The Ram" Robinson (Mickey Rourke) é o lutador mencionado. É o anti-herói da história. Só vemos seu rosto por completo após seis minutos de película, em meio a um ambiente escuro, enquanto ele toma um comprimido e olha fotos de seu passado. Ele balança a cabeça. Parece saber que esses tempos não voltam mais. Ele dorme. É acordado por crianças. Carrega novamente sua mala e vai para o ginásio. Ele se prepara. Dessa vez vai ter luta. Ele não desiste.

"O Lutador" fala dos excluídos pós-modernos, sejam eles lutadores, operários ou dançarinas exóticas, como Cassidy (Marisa Tomei). Fala de amor, dor e glória. E fala de tempo, também. Do tempo rápido do espetáculo contemporâneo, já que o lutador só está ali por causa da platéia (aqui temos uma clara intenção do diretor em traçar um paralelo entre a luta livre e o cinema). Ele descobriu seu papel na sociedade do espetáculo. Ele se realiza com isso. Mas o mundo não se importa com ele. Afinal, ele está velho. Já se passaram 20 anos desde a famosa luta contra The Ayatollah. Ele se esforça para se manter no auge. Luta, em vão, contra o tempo. Sofre um ataque cardíaco. Repensa sua vida. Vai atrás de Cassidy, por quem nutre um amor difícil de se realizar em vida a dois. Procura sua filha Stephanie (Evan Rachel Wood), que não vê há anos. É com ela que ele se revela: "E agora sou um velho pedaço de carne estragado e estou completamente só. E mereço ficar completamente só". E no momento mais comovente do filme, faz a ela um pedido: "Eu só quero que não me odeie. Ok?". Ele tenta se manter na linha. Abandona temporariamente a luta, arranja um emprego e combina um jantar com a filha. Mas nosso anti-herói fracassa (ainda bem!). Volta para os ringues, pede demissão do emprego no supermercado e falta ao jantar com Stephanie. Ele quer ser dono de seu lugar e de seu destino.

"Mas seu coração...", divaga preocupada Cassidy, diante do retorno de The Ram ao que sempre quis fazer. E nosso Mersualt responde: "Meu coração ainda bate". "Mas o médico disse...", insiste a stripper. "O único lugar que ele sai machucado é lá fora", afirma nosso Tarrou. E finaliza: "O mundo não se importa comigo". Vai para o ringue. Entre socos e pontapés, prepara-se para seu último golpe. Corte.

É com surpresa que vejo a realização desse drama camusiano de Darren Aronofsky. Só em não ver os enquadramentos alucinógenos, os efeitos visuais, sonoros e estilísticos e edição rápida e frenética de seus filmes anteriores, a película já mereceria um lugar ao sol na sua filmografia. Mas é Mickey Rourke, definitivamente, a grande força do filme. Randy é uma grande personagem e foi muito bem desenvolvida pelo roteiro e pelo ator.

Um filme brutal, honesto e tocante. Como poucos.

Nenhum comentário: